A municipalização do Estatuto da Igualdade Racial em Esmeraldas busca políticas de promoção da igualdade racial, proteção às tradições afro-brasileiras, cotas no serviço público, valorização da cultura e ações em saúde, educação e moradia, com denúncias de racismo e intolerância religiosa.

Mesa de autoridades e convidados durante a audiência pública na Câmara Municipal de Esmeraldas.
A Câmara Municipal de Esmeraldas realizou, na quarta-feira, dia 19, véspera do Dia da Consciência Negra, uma audiência pública para debater a Municipalização do Estatuto da Igualdade Racial, baseado na Lei Estadual nº 25.150/2025. O encontro reuniu vereadores, lideranças do movimento negro, representantes de religiões de matriz africana e moradores da cidade, que denunciaram episódios de racismo, intolerância religiosa e descasos nos serviços públicos.
A proposta de municipalização do Estatuto de Igualdade Racial busca implementar, em Esmeraldas, políticas de promoção da igualdade racial, proteção das tradições afro-brasileiras, cotas no serviço público, valorização da cultura e ações na saúde, educação e moradia. Durante a audiência, depoimentos destacaram a segregação histórica de Esmeraldas e episódios recentes de violência simbólica e física, especialmente contra terreiros. Ao final, vereadores se comprometeram a dar andamento ao Projeto de Lei do Estatuto da Igualdade Racial no município e atender às demandas apresentadas pela comunidade.
Falas marcantes

Participação da comunidade na audiência pública, com relatos de discriminação, racismo estrutural e intolerância religiosa.
A audiência ocorreu com participação aberta à população e contou com uma mesa de autoridades e convidados que trouxeram depoimentos e propostas. Entre os convidados estiveram João Victor Martins Saraiva, assessor de Políticas Públicas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que reforçou a importância de políticas públicas no âmbito municipal; Mateus de Góis, secretário municipal de Combate ao Racismo PT, que destacou ações concretas para implementação do Estatuto; José Carlos de Souza, do Movimento Negro Unificado (MNU) de Minas Gerais, que trouxe a perspectiva histórica e defendeu políticas de reparação; Marcio Campolina, representante da Casa Tenda Espírita Estrela de Aruanda, que falou sobre ataques a terreiros e intolerância religiosa; e Moara Saboia, vereadora de Contagem, Minas Gerais, que reforçou a urgência de ações concretas para a implementação do Estatuto.
Além das falas da mesa, moradores utilizaram a tribuna para compartilhar experiências de discriminação e racismo estrutural, denunciando falhas no acesso à educação, saúde e outros serviços públicos, com relatos de segregação histórica e episódios recentes de injúria racial e intolerância religiosa.
Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 25.150/2025)
O Estatuto da Igualdade Racial de Minas Gerais, instituído pela Lei nº 25.150/2025, é um marco na legislação estadual para o enfrentamento do racismo e promoção da equidade racial. Sua construção contou com intensa participação social, envolvendo seminários regionais, consultas públicas e debates em sete municípios de Minas Gerais, resultando na incorporação de 145 propostas ao texto final. A lei ampliou direitos fundamentais, garantindo liberdade religiosa, proteção das tradições, direito à moradia adequada, comunicação e expressão, além de assegurar territórios para povos e comunidades tradicionais.
Entre os avanços mais significativos está a criação do Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (SISEPIR), responsável por articular políticas públicas estaduais e municipais, com participação de órgãos públicos, conselhos e da sociedade civil organizada. O sistema funciona em regime de gestão compartilhada, em que o Estado coordena, os municípios que aderirem implementam localmente, e a sociedade civil participa da fiscalização e construção das políticas. Essa estrutura permite monitoramento contínuo, formação de gestores e financiamento de ações afirmativas, promovendo uma articulação integrada entre Estado e municípios.
A adesão municipal ao SISEPIR é voluntária: todos os municípios estão sujeitos aos direitos e princípios da lei, mas os instrumentos de gestão, financiamento e políticas do sistema só se aplicam integralmente quando o município opta por participar.
O Estatuto prevê mecanismos de participação social, conselhos estaduais e municipais, fundos específicos e planos de promoção da igualdade racial, garantindo que ações contra o racismo estrutural sejam planejadas, executadas e avaliadas de forma coordenada. Além disso, o Estatuto se relaciona com o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), promovendo alinhamento entre políticas estaduais e federais.
A Lei nº 25.150/2025 estabelece um marco de proteção e promoção dos direitos raciais em Minas Gerais, combinando avanços conceituais, participação social e mecanismos institucionais para implementação de políticas públicas de longo prazo. O Estatuto fortalece a luta contra o racismo estrutural e cria condições para que municípios como Esmeraldas adotem ações concretas de promoção da igualdade racial.
Educação, saúde, cultura e religião
Durante a audiência, o representante do MNU destacou a importância da aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que determinam o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Participantes chamaram atenção para a falta de implementação efetiva dessas leis e para a necessidade de formação contínua de professores no letramento racial, conforme previsto no Estatuto.
Os debates abordaram problemas de racismo institucional no SUS, violência obstétrica contra mulheres negras, e o descaso com pessoas autistas e com deficiência, reforçando a necessidade de políticas públicas inclusivas. Mulheres negras, mães solo e lideranças religiosas compartilharam relatos de abandono, resistência e reivindicações, reforçando a importância da mobilização social.
Outros participantes relataram ataques a terreiros e espaços sagrados, além da demonização das religiões afro-brasileiras, destacando a necessidade de proteção legal e políticas de reconhecimento dessas práticas culturais e religiosas.

João Saraiva, assessor de Políticas Públicas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, durante sua fala sobre políticas públicas municipais.
Entregas durante a audiência
No evento, o Estatuto da Igualdade Racial foi entregue formalmente aos vereadores para análise e tramitação, e a Casa Tenda Espírita Estrela de Aruanda entregou o protocolo de reconhecimento de utilidade pública municipal, reforçando seu papel cultural e social na cidade.
Entrega formal do Estatuto da Igualdade Racial aos vereadores de Esmeraldas
Presença na audiência
Participaram da audiência, além dos já citados na mesa, os membros da Comissão de Administração e Serviços Públicos da Câmara: Roberto de Souza Cruz, presidente; Hélio Geraldo da Silva, vice-presidente; e Carla Nicolau, secretária. O vereador Alain Borges da Silva também esteve presente.

Vereadores membros da Comissão durante o debate com a comunidade.
Encaminhamentos
A audiência reafirmou que a municipalização do Estatuto da Igualdade Racial é um passo para combater o racismo estrutural, garantir direitos culturais e sociais e promover políticas públicas que incluam toda a população. A presença da comunidade, somada às propostas de líderes e especialistas, mostrou que o compromisso com a igualdade racial em Esmeraldas precisa ir além do papel e se traduzir em ações concretas no dia a dia da cidade.